quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Turno tarde, cardiologia

Passaram-me o turno:
"Paciente do sexo feminino de 77 anos, enfarte agudo miocardio, independente, mau feitio, familiar (filha) muito especial (por outras palavras pessoa irritante), etc etc etc"
Durante a tarde fui fazer a minha ronda e fui ver como estava esta paciente... não me pareceu de mau feitio, mas sim um pouco amargurada talvez por estar hospitalizada.
Há um termo carinhoso que aplicamos muito em espanha às pessoas de terceira idade... o termo é ABUELA que em português significa Avó, avózinha... Em Espanha uma pessoa idosa é una persona mayor, termo esse que não acho piada nenhuma... Ou seja, para mim todos são abuelos.
Fui visitá-la e comprimentei com um Como estamos abuelita?. A senhora deu um ar tão infeliz e disse-me com um sorriso para não a tratar por abuelita.
Perguntei-lhe em tom de brincadeira se chamar abuela a fazia sentir mais velha do que já era.
Ela esboçou um sorriso e diz-me "Como gostaria de ter netos para me chamarem abuelita... A minha filha seria uma pessoa diferente. Ela é estéril, e por ser estéril está divorciada"
Engoli em seco... Então era esse o provavel motivo do tal mau feitio da filha...
Fizemos um trato... Enquanto estiver hospitalizada, serei a sua neta...e ela a minha abuelita.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

5 músicas!


A pedido do Gonçalo tenho de nomear cinco canções que fazem parte da minha vida...

Ora cá vai:

Sumo de limão-Onda Choc
http://www.youtube.com/watch?v=4ywqODF5NVY

Out of Reach-Gabrielle



Postal dos Correios - Rio Grande
http://www.youtube.com/watch?v=MXmorQnwoXg


Your Song - Elton John



Não sei quem te perdeu-Pedro Abrunhosa


domingo, 20 de dezembro de 2009

Contactando com uma mulher que se submeteu a uma mastectomia

Ingressou no meu serviço uma senhora dos seus 55 anos anos para ser sujeita a uma mastectomia da mama esquerda.
Como faz parte do protocolo, apresentei-lhe o serviço, demonstrei-lhe como funcionava os botõezitos que estão ao lado da cama, expliquei-lhe como funcionava o televisor, avaliei os sinais vitais, realizei a entrevista e etc...
A mulher teve uma atitude comigo de uma pessoa arrogante, mal educada, daquele tipo de paciente que mais nos apetece mandar pentear macacos...
Queixava-se que o quarto era frio, que não tinha cobertores adequados (sim, porque aqui em Barcelona faz um frio de morte), ameaçou processar o hospital de que as duas horas que passou no piso de baixo a fazer exames complementares lhe puseram engripada bla bla bla...
Finalmente a senhora baixou para o bloco operatório e eu só rezava que regressasse quando já tivesse o outro turno já que não estava com a mínima paciência de ouvir todas aquelas queixas...
A paciente regressou ao serviço às 20h30. Faltava uma hora e meia para trocar de turno.
Com toda a minha simpatia e paciência a recebi, lhe pus toda a medicação que lhe convinha... ela gritava e esperneava com o seu parceiro e com a filha. A filha era uma jovem dos seus vinte e cinco anos e estava de cadeira de rodas.
A filha saiu meia hora depois.
Quando fiz a minha ronda antes de acabar o turno, fui visita-la.
A senhora estava deitada com lágrimas nos olhos. Perguntei-lhe se eu poderia fazer alguma coisa.
Sentei-me um bocado ao lado dela... (Digam o que disserem, mas o facto de um profissional de saúde se sentar ao nível de um paciente enquanto se conversa ajuda bastante a desenvolver o diálogo).
Ela comenta-me que tudo lhe doía: o facto de perder uma mama, o facto de isso lhe doer quer fisicamente quer psicologicamente. Mas garante-me que o que mais lhe doía era o facto de ter recebido tão pouco apoio emocional.
Segundo ela, se não fosse o seu namorado estaria sozinha naquele hospital. E que "la soledad es jodida" a solìdão é fodida
Que apesar de ter dois filhos, três irmãos e uma mãe ainda viva, nenhum deles teve a audácia para a apoiar nem a visitar. Nem sequer ligaram para ela a desejar boa sorte ou a perguntar como tudo correu. "Nem a minha filha aguentou uma hora", dizia ela.
Comentou-me que foi sujeita a maus tratos pelo seu ex-marido. Que foi ele que lhe rasgou um lábio, que lhe partiu o nariz. Conta-me que a sua filha está paralítica porque o mesmo homem com um ferro atingiu-lhe a coluna fazendo com que ela não pudesse mais caminhar.
Comentou-me a sua vontade de se suicidar... Porque a sua vida corre mal, porque não suporta a solidão, porque tem um cancro em que os médicos discutiam se lhe "tiravam uma mama, ou mama e meia ou mama e três quartos ou uma mama e um pulmão". Explicava-me que a sua vida não se resumia a uma quantidade de gânglios que deveriam ser retirados.
Pacientemente expliquei-lhe que o facto de ter sido operada era um óptimo sinal porque em regra geral só operam quem tem esperança em recuperar.
Expliquei-lhe que mais tarde se não houver contra-indicações puderá por uma prótese mamária.
Quanto ao facto de não ter recebido visitas tentei acalmar os ânimos, explicando-lhe que há pessoas que não suportam hospitais mas que brevemente a visitariam...
Disse-lhe que era uma pessoa corajosa... porque apesar de ter sido sujeita a uma intervenção cirúrgica ainda tinha forças de gritar com a filha e com o namorado e de ter um feitiozinho tão difícil (disse-lhe isso piscando o olho ao namorado que estava connosco no quarto o que provocou um sorriso à paciente). Disse-lhe que era tão corajosa que não precisava de nenhuma mãe, filhos ou irmãos naquele quarto a chorar com ela ou pior, a ter pena dela. Que iria sair-se bem no meio disto tudo...
Falei-lhe na possibilidade de se juntar a grupos de apoio oncológico... que não era a única mulher que estava numa cama de hospital com aquele problema...
Rematei a minha conversa com ela, com uma frase que digo muito para mim própria:
"São para as pessoas mais fortes que Deus concede os maiores desafios"
Hoje não fiquei nesse serviço... Mas no balneário ouvi as minhas colegas comentarem que a senhora apesar de debilitada pela cirurgia era "insuportável, arrogante e com uma pontaria exímia porque acertou em cheio uma caneca com água em cima de um familiar"

domingo, 13 de dezembro de 2009

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Não querendo ser racista ou xenófoba, mas...

... há coisas que me revoltam...
Imaginem o filme:
Paciente de etnia cigana internado no serviço de Cuidados Intensivos de Cardiologia por complicações a uma cirurgia "bypass coronário". Estado clínico: muito grave. Prognóstico: nas mãos de Deus.
Entram trinta familiares seus pelo serviço dentro (max de visitas permitido: 2 pessoas), aos gritos, choros, prantos, picnic no corredor do serviço, criancinhas aos gritos, carrinhos de bebés, mulheres a discutirem em voz alta...
Ninguem no serviço ousou dizer basta... Avisei o supervisor de Enfermagem a explicar que a situação estava a ser insustentavel e segundo ele não seria possivel fazer nada dado que são pessoas extremamente violentas.
Ou seja... temos de fechar os olhos e tapar os ouvidos...
Durante a noite, a mulher do paciente e dois dos seus filhos pernoitaram na box onde se encontrava o paciente. O médico avisou que tal não seria possivel dado o tamanho da box e do bem estar do paciente e de outros pacientes. Um dos filhos ameaçou o médico que faria isto ou aquilo. O médico fechou os olhos e tapou os ouvidos.
No dia seguinte o paciente morre. Vários elementos de etnia cigana invadem o serviço com armas de fogo e armas brancas, apontando para o pessoal de Enfermagem e Médico que lá estava. Algumas mulheres vinham atrás desses elementos chamando-nos nomes impróprios, lançando "bruxedos" e de que apareceríamos mortos "en la calle".
Um familiar de um outro paciente viu todo o aparato e consigou avisar os seguranças e posteriormente a polícia.
A polícia pouco ou nada fez... quando chegou todo o grupo se tinha dispersado. Os cinco seguranças que possui a clínica nada poderiam fazer com aquele grupo de mais de vinte elementos.
Dado que estavamos num serviço de cuidados intensivos de cardiologia, dá para imaginar as taquicardias que assistiamos pelo monitor daqueles doze doentes que dentro das boxes assistiam a tudo aquilo.
Será que fecharemos os olhos e taparemos os ouvidos sempre que isto acontecer?
Senti medo. Todos que estávamos naquele serviço colapsamos de medo. Nem toda a gente teve uma pistola a apontar para a cabeça por uma coisa que não temos culpa. Nós, enfermeiros, médicos, auxiliares de enfermagem, não somos Deus. Não somos nós que ditamos quando e como irá falecer um paciente. E os ciganos também morrem.
Estamos lá para que dentro dos possìveis consigamos criar melhores cuidados
Como pode a sociedade permitir que este tipo de pessoas entrem num serviço de saúde (ou qualquer outro tipo de serviço) gerando uma onda de pânico, ameaçando todos a torto e a direito???
As regras não são para todos. Se o limte de visitas é de dois elementos, para neste caso os ciganos são quantos quiserem entrar.
Se não é possível passar a noite num serviço de cuidados intensivo junto ao doente, para neste caso os ciganos são para quantos quiserem lá dormir.
Se um paciente morre por uma complicação a uma cirurgia, para os ciganos significa armas, facas e navalhas apontadas ao pessoal do serviço.
PS: já contactei com famílias de etnia cigana que foram impecáveis e extremamente bem educadas.
já contactei com famìlias espanholas que eram extremante rudes... como sempre, não podemos generalizar.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Selo "O teu blog merece ser filmado"


O Gongas mais uma vez mandou-me um selo para este blog.
Deverei portanto nomear cinco situações na minha vidinha de 22anos (quasi quasi 23!) que deveriam ser vividas em slow-motion.

Sem qualquer ordem de preferência, cá vão elas:

As brincadeiras e risadas com o meu pai... que é sem dúvida um Super-Pai... Que apesar de ter viajado à quase quatro anos, recordo com muito carinho tudo que ele foi e tudo o que ele fez para ser... e que a viagem sem regresso não permitiu para mais...

O meu primeiro beijo... e o segundo, e o terceiro, e o quarto... e por aí fora... Apesar de não ser grande beijoqueira, gosto da emoção com que os sentimos...

Aquela música que toca na rádio do carro numa hora de ponta da cidade, em que nos passa todas as recordações pela cabeça em que ficamos com aquele brilhozinho nos olhos.

O depois de ter dito numa manhã: Hum... parece que alguém está a gostar. A magia do depois tornou-se irrepetitiva.

Aquele passeio à beira mar num final de tarde na Primavera ou no Outono com uma boa companhia...


Passo o selo a quem quiser :)